Crônicas

Minha madrinha era rica

Sim, era isso que eu achava quando eu tinha 10 anos.

Hoje, aos 29, ainda acho que ela é muito rica.

Deixa eu explicar essa história melhor com exemplos reais.

Num início de tarde de algum dos finais de semana do ano de 2004 (nossa, me sinto um idoso agora), minha madrinha me levou pra passear com meus 2 priminhos, que eram seus filhos.

Ela sempre me pegava de carro na esquina da rua da minha casa (uma das dezenas de casas na qual morei num espaço de tempo curtíssimo). “Fica mais fácil pra mim”, dizia ela sobre ser na esquina e não na porta de casa. Naquela época, eu ainda não entendia por que eu tinha que andar 10 metros até a esquina. Sim, nunca gostei de andar, era como uma maratona pra mim. Hoje, que tenho um carro, entendo que as ruas da zona norte da capital do Rio de Janeiro não são nada organizadas. Ela fazia isso pra pegar mais facilmente a tão famosa Avenida Brasil. Dessa forma, não precisaria dar mil voltas e chegaria mais rápido ao shopping.

Fiat Uno vinho e o mesmo pedido de sempre no Spoleto

Chegamos ao shopping como num passe de mágica. Afinal, a minha madrinha, além de rica, utilizava o seu Fiat Uno vinho quadradão das antigas como carro de corrida. E apertava a buzina a cada 5 minutos (principalmente se tinha um homem estressado se achando o Ayrton Senna no meio da pista). Ah… Ela buzinava com gosto e ainda gritava, bem nervosa. Confesso que eu gostava, no fundo eu achava aquele ato corajoso.

Entramos correndo no shopping (como sempre) e adentramos na praça de alimentação. Fomos ao Spoleto. Cada um escolhia a sua massa, seu molho e alguns acompanhamentos (acho que eram 5 ou 6, não sei ao certo). Eu sempre escolhia os mesmos ingredientes e sabores. Sou assim até hoje. Se algo é gostoso, eu não preciso me frustrar e comer algo ruim, oras. Sempre escolhia o espaguete ao molho sugo com tomate, muçarela, presunto, calabresa e mais algumas coisas que eu não lembro (muito tempo, pô!). Para mim, era a combinação perfeita.

O almoço também era bem rápido, pois a sessão de cinema sempre era logo depois. Logo mesmo. Não tinha como comer muito devagar. Tudo era uma maratona nesse dia. Mas tudo era gostoso. Afinal, eu amava como a minha madrinha era rica e podia fazer tudo isso por mim. Poxa, ela nem era minha mãe, era “apenas” a minha madrinha. Achava isso fod* demais. Hoje, aos 29 anos, ainda sinto esse carinho toda vez que penso nas minhas idas ao shopping com a minha madrinha. Era assim que ela demonstrava o seu amor.

Vi tantos filmes no cinema com a minha madrinha rica… A saga inteira de Harry Potter, por exemplo, foram alguns deles. Assisti todos com a minha madrinha. Até o último, um pouco mais velho, foi com ela.

Toca pra esse dia do Spoleto novamente…

O filme começou. E depois terminou (nossa, que coisa maluca, né. Hahaha).

Me vê 10 esfirras de carne, 10 de queijo e 5 quibe com cremily, por favor

Saímos da sessão (não me lembro qual filme assistimos nesse dia) e fomos direto para o Habib’s. Minha madrinha rica, antes de ir embora pra casa, sempre levava uma caixa gigante com trocentas esfirras e quibes. E foi o que ela fez nesse dia.

Achamos o Fiat Uno quadradão no estacionamento e fomos pra casa da minha madrinha. Lembro que dormi lá naquela noite. Foi maravilhoso. Eu e meus primos assistimos aos desenhos (24h por dia, sem interrupção, era sensacional) nos canais de TV a cabo da época (Jetix, Cartoon, Nickelodeon… Bons tempos, sem muita ansiedade por não saber o que assistir no meio de 552 mil conteúdos nos streamings). Quanta nostalgia!

Foi uma noite perfeita, com muito quibe recheado de cremily e esfirra de carne. Huuumm… Tinham outras esfirras, mas, desde pequeno, já era viciado em carne. Confesso que deixava as esfirras de queijo pra lá. 

Tapete de gente rica e fita cassete verde

Para fechar com chave de ouro, tomei um banho no banheiro da minha madrinha rica. Ele tinha um box gigantesco (era assim que eu pensava) com um tapete gostosão pra gente não escorregar. Era bom demais, daqueles tapetes que fazem massagem de graça nos seus pés. E não aqueles feitos de plástico duro, quase sempre preto, com o formato dos nossos pés (Hahahahaha. Ri alto aqui escrevendo isso. Você já teve um desses ou ainda tem?). 

Saio do banho e entro no quarto dos meus primos numa temperatura perfeita graças ao ar-condicionado. Minha madrinha era uma das poucas pessoas na minha família que tinham o aparelho salvador de vidas em 2004. Nossa, obrigado, mãe, por escolher uma madrinha que tinha um tapete de box maravilhoso e ar-condicionado no quarto.

E então eu caí num sono perfeito e relaxante, depois de assistir a algum filme da Disney da fita cassete verde. Meu tio, hoje ex-marido da minha madrinha, era sócio de uma locadora na época. Sempre tinha trocentas mil fitas cassete lá. E, alguns anos depois, muitos DVDs. Era, no mínimo, super interessante para uma criança ver aquilo. A gente não precisava alugar um filme, era só pedir pro meu tio pegar na locadora. Que legal, né?!

A fortaleza de muros altos

Para o Dennis de 10 anos, passando por tantos problemas em casa, era como ser salvo de um afogamento. Mas apenas por um dia. Sorte que sempre chegavam outros dias parecidos como esse. 

Hoje, eu digo “muito obrigado, madrinha”, por ter sido rica lá em 2004. E fico feliz que você ainda esteja rica até hoje. Aliás, ninguém vai tirar essa riqueza de você.

Nas inúmeras idas ao shopping, era como se eu também fosse rico, assim como você (pelo menos por um dia). Na minha cabeça, eu conseguia criar uma fortaleza que me protegia de tudo que me assolava, com muros altíssimos, sem chance de algo me ferir.

Minha madrinha continua rica. E, por mais que ela não me leve mais ao shopping, todos que passam pelo seu caminho tornam-se ricos, assim como eu. Nem que seja por um dia.


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Dennis Ventapane

Escrevo para me encontrar. Mas continuo querendo me perder num mar de palavras.

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